BAUDOLINO, DE UMBERTO ECO (A GÊNESE DOS MITOS)

Através do livro Baudolino, de Umberto Eco podemos perceber um possível processo da criação dos mitos. A história se é ambientada para a Idade Média (Séculos XII e XIII) e nela Baudolino, um camponês criado por Frederico I chega em 1204 a Constantinopla que, naquele momento, era invadida pela Quarta Cruzada. Ele conhece Nicetas – um Historiador – e o salva a vida. A partir de então tornam-se amigos e Baudolino passa a contar a sua História. Todavia, Baudolino é um grande mentiroso. A História contém aventura e humor. A história envolve a busca pela terra do Preste João e do Santo Graal, além de criaturas que, segundo as descrições medievais, existiriam no Extremo Oriente, próximas ao Paraíso Terrestre. Baudolino e seus amigos forjam relíquias e criam histórias que acabam por se tornar grandes verdades para as pessoas da época.
A leitura de Baudolino nos permite algumas reflexões e questionamentos. Por exemplo: de onde vem tudo aquilo que consideramos sagrado? Como foi gestado? Esse status de santidade dado a determinadas coisas ou a determinadas narrativas deve mesmo ser acreditado tão cegamente? Coisas! Podemos atribuir às coisas as mais diversas características. Posso pegar um pedaço de pena e dizer foi usado por Shakespeare na escrita de suas obras, mas essa pena pode ter sido retirada da galinha que comi no almoço. Podemos chamar as coisas com os nomes que bem quisermos. A questão é: haverá gente suficientemente ingênua para acreditar? Baudolino conseguia encontrar essas pessoas ingênuas; conseguiu, dentre outras coisas, quando pegou uma taça de madeira da sua casa e disse se o santo graal.
Pergunto-me então se a crença sem nenhuma reflexão deve ser tomada como norte para interpretações de mundo; pergunto-me quantas pessoas mal intencionadas já não fizeram uso da boa fé dos demais para difundirem mitos cujo fim é nada menos do que o proveito próprio. Penso somente nessas pessoas simples, sem condições intelectuais, sem uma estrutura verbal elaborada capaz de defendê-los desse bombardeio de imagens e desse espetáculo de lavagem cerebral praticado em certos lugares. “Bem aventurados os que creem sem ver...” – disse Jesus ressuscitado. Não seria essa ideia, a pessoa que a profere e na condição na qual profere – na verdade, que dizem que proferiu – mais um dos muitos mecanismos de controle? Um mecanismo que visa impedir a reflexão? Talvez...
Uma história, uma mentira repetida muitas vezes e bem difundida se torna verdade; todavia, cabe observar que até mesmo as histórias inventadas acabam fugindo ao controle de quem as criou, tornando-se grandes mitos capazes de mover multidões.
Talvez muito do que temos hoje em termos de crença ou mesmo de pensamento tenha passado pro esse processo: uma história inventada, ou mesmo fruto de algum mal entendido, mas que foi tomado como grande verdade e propagada como tal. Admitindo essa possibilidade o que seria de nosso pensamento se essas supostas “histórias” não tivessem existido ou tivessem sido criadas outras ou as mesmas histórias criadas tivessem tido outras interpretações? Estaríamos melhores? Seriamos piores do que somos?... Enfim... penso que jamais saberemos. Fica apenas a pergunta... e é tudo.