O SONHO DO POETA

      O Sonho do Poeta - Paul Cézanne.

Muitos seres costumam povoar o nosso imaginário. Desde pequeninos habituamos a fantasiar os nossos monstros e anjos como se precisássemos deles para viver, como se necessitássemos de algo do qual fugir e perante o qual se assombrar. A infância é habitada pelos monstros do quarto, que insistem em se manifestar à noite. Mas a imaginação das crianças é sensível demais e pode ser excitada pelo objeto mais insignificante.


Ao longo da vida novos seres vão paulatinamente compondo nosso universo simbólico, conferindo-lhe feições muito particulares, que variam de acordo com as idiossincrasias de cada um. Eu, como não poderia de deixar de ser, tive e tenho as minhas idiossincrasias.

“O Sonho do Poeta”, de Paul Cézanne, povoou boa parte da minha adolescência. Há um quê físico e ao mesmo tempo espiritual nessa imagem, um quê de puro e ao mesmo tempo lascivo que sempre me impressionou. O poeta sonha com um ser amado, talvez o anjo que vem lhe visitar, mas às vezes é como se ele estivesse consciente do presente que recebe do ser alado, como se apenas fingisse estar adormecido e, muito galhardamente, se visse na iminência de jogar a cabeça para trás implorando um beijo mais ousado.

O anjo é irreal, por demais espiritualizado, mas às vezes me parece demasiado físico. Em certa época ele me inspirava medo, um estranho receio... estranho apenas, mas que com o tempo se desvaneceu! Hoje tudo o que vejo nele é beleza. O seu pescoço, branco e comprido, é chamativo; as suas asas – parcialmente iluminadas – conferem ao ambiente do meu imaginário um frescor que eu raramente poderia encontrar em uma obra de arte.

Naquele tempo por duas ou três vezes durante a noite e pouco antes do sono eu me pegava imaginando o beijo da criatura alada de Cézanne...

Acreditem em mim: foi a ilusão mais bela que cultivei em meus tempos de adolescente. E embora tudo isso pareça um tanto quanto piegas, creio que tem lá a sua graça!